Uma das reclamações
mais freqüentes em nossas igrejas é a falta de amizades sinceras,
amor verdadeiro, relacionamentos profundos.Podemos ter uma boa estrutura
eclesiástica, boa doutrina, boa música, bons programas,
mas nada disso é suficiente para atender a necessidade humana de
ser amado, aceito, acolhido reconhecido e valorizado. Por um tempo, os
programas ajudam a preencher este vazio, a música parece criar
um clima saudável, o trabalho e a participação nos
programas doa a sensação de que é disto que precisamos,
porém mais cedo do que imaginamos, nos vemos de novo frustrados
com a superficialidade afetiva, a hipocrisia dos que cercam, a ausência
de amizades sinceras e profundas.
A conversão é a transformação do “eu”
solitário num “nós” comunitário. É
o chamado para sermos amigos de Deus e dos nossos irmãos. As parábolas
e imagens do reino glorioso de Cristo sempre envolve mesas fartas, festas,
multidão de todas as línguas, tribos, raças e nações;
Paulo nos fala de uma nova família, um corpo; João nos fala
de um rebanho e de uma cidade - essas imagens revelam que o reino de Deus
é o lugar onde as pessoas se encontram na comunhão festiva
com Cristo.
Porém, para muitos, a igreja não tem sido um lugar de desilusão,
frustração e solidão.Um lugar de mágoas, ressentimentos
e traições. Sei que existem aqueles que se sentem acolhidos
e amados em suas comunidades, mas esta não é a regra geral.
No entanto, mesmo os que se sentem bem nem sempre experimentam uma verdadeira
comunhão de amizade e amor.
Grande parte do fracasso na comunhão deve-se aos falsos ideais
e às fantasias que projetamos. Para Bonhoeffer, a comunhão
falha porque o cristão traz em sua bagagem “uma idéia
bem definida de como deve ser a vida cristã em comum, e se empenhará
por realizar esta idéia... Qualquer ideal humano introduzido na
comunhão cristão perturba a comunhão autêntica
e há que ser eliminada, para que a comunhão autêntica
possa sobreviver”. Para ele, o ideal que cada um traz para igreja
acaba sendo maior que a própria comunhão e termina destruindo-a.
As imagens bíblicas de banquete, mesa farta cheia de amigos, nos
ajudam a refletir melhor sobre o significado comunhão e da amizade.
Quem viu o filme ou leu o livro A Festa de Babette percebe isto. Babette
chega a um vilarejo na Dinamarca fugida da guerra civil em Paris e emprega-se
na casa de duas filhas de um rígido pastor luterano. As Irmãs
seguem à risca os rigores da sua fé pietista, que as proíbe
de qualquer prazer na vida, sobretudo o material. Um dia, Babette descobre
que ganhou um prêmio na loteria e, em vez de voltar para a França,
onde havia sido uma exímia cozinheira em Paris, pede permissão
para preparar um jantar em comemoração do centésimo
aniversário do pastor.
Sob o olhar suspeito das irmãs, Babette prepara o banquete. Durante
o jantar, o sabor de cada prato, o aroma do vinho, o prazer de cada mordida,
foi lentamente quebrando a frieza, demolindo as antigas mágoas
e transformando aquela mesa num encontro de corações libertos.
Quando terminou, uma das filhas, Philippa, assustada pelo fato de que
Babette teria usado toda a fortuna da loteria naquele jantar, disse: “Não
deveria ter gasto tudo o que tinha por nossa causa”. Depois de pensar
um pouco, Babette respondeu: “Por sua causa?”, retrucou “Não,
foi por minha causa”. Depois disse: “Sou uma grande artista”.
Após algum silêncio, Martine, a outra irmã, perguntou:
“Então vai ser pobre o resto da vida, Babette”? Babette
sorriu e disse: “Não, nunca vou ser pobre. Já lhes
disse que sou uma grande artista. Uma grande artista nunca é pobre”.
Comunhão e amizade é trabalho de artistas. A riqueza de
um artista nasce de sua capacidade de oferecer o melhor.Ao oferecer o
melhor que podia, Babette abençoou a si e aqueles que provaram
do seu dom. Na arte da Construção da comunhão e da
amizade, precisamos oferecer o que temos de melhor, seja uma boa refeição
ou uma boa música, uma boa conversa ou um lindo sorriso. Não
foi isto que Cristo fez?
Ricardo Barbosa
de Souza – Artigo publicado Revista Ultimato.