Aprendi com
o filósofo Soren Kierkegaard que “ser santo é querer
uma só coisa”. A verdade é que eu sempre quero muitas
coisas. Vivo em busca de coisas novas. Pode ser pouco, um livro, coisas
materiais, como a troca do carro. Ou então idéias e projetos
novos. Mas vivo querendo. Assim, vivo a dispersão e até
a superficialidade. Mas tenho de reconhecer que riqueza de iniciativas
e quantidade de envolvimentos não é necessariamente a melhor
forma de contribuir para a edificação do reino de Deus.
Querer muitas coisas não significa querer a Deus. Ter muitas atividades
não significa priorizar as pessoas. Exercer liderança não
significa caminhar em amor em direção ao outro, ao pequeno
e ao pobre. Assim, vou descobrindo o que Deus quer: que eu seja dele;
que eu viva nele; que eu o ame e que o sirva; que eu queira uma só
coisa: Ele. E assim, querendo a ele, eu caminho em direção
ao outro. Jesus deixou isso claro: “Buscai, pois, em primeiro lugar,
o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã,
pois o amanhã trará os seus cuidados” (Mt 6.33-34).
Deus
se dá por inteiro e nos quer por inteiro
Ao abordar a Redescoberta da Palavra de Deus, tenho salientado que Deus
é alguém que fala conosco de forma significativa e pessoal.
A Palavra que Deus nos dá é a pessoa de Deus que se dá.
A Palavra de Deus é presença de Deus e a presença
de Deus se expressa na Palavra de Deus. Nós separamos a Palavra,
não apenas da realidade, mas também de nós mesmos.
A mentira é a palavra dissociada da realidade. Mas Deus não
nos dá a sua Palavra dissociada da sua realidade e da sua pessoa.
Ele dá a si mesmo: “E o verbo se fez carne e habitou entre
nós” (Jo 1.14).
Deus é amor e a natureza do amor é a doação.
E isso Deus faz como só ele o pode fazer: criar por amor, restaurar
com amor. Na busca do resgate e da restauração, Deus se
dá por inteiro. Sem reservas. Dar-se querendo uma só coisa:
a nossa vida. A nossa presença diante dele e com ele. Dá-se
em busca da restauração de uma natureza “distorcida”
e uma humanidade caída. Dá-se. Deus é santo! Ele
quer uma só coisa. Um segredo que Ele vive de forma tão
inteira e bonita: dar-se por inteiro a cada um e a todos. Dar-se por inteiro
como se tudo fosse uma só coisa — e uma só coisa é.
E isso ele
espera também de nós: que nos demos a ele por inteiro. Que
o busquemos e queiramos. Que ele nos baste e que toda a nossa vida seja
uma expressão da sua realidade e da sua glória. Que a nossa
vida se inspire na realidade do amor de Deus e que a partir do encontro
com esse amor a nossa vida seja santa, dedicada inteiramente a ele e que
deixemos de viver claudicando, como advertiu Elias: “Até
quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o;
se é Baal, segui-o” (1Rs 18.21).
É
hora dos panos de saco e das cinzas
Sempre houve, no decorrer da história, movimentos de renovação
que surgiram como fruto de um novo encontro com a Bíblia. Deus
fala, a conversão acontece e novos movimentos emergem. O encontro
com a Palavra de Deus é fonte de esperança. Não há
situação perdida. De forma inesperada, Deus atua e faz novas
as coisas que julgávamos perdidas. É por isso que há
esperança também para nós. É por isso que
somos convidados a nos reencontrar com a Palavra de Deus, para que algo
novo possa surgir em nós e entre nós. É por isso
que Deus não deixa de nos chamar para si.
Assim, olhando
para uma igreja que tem crescido, como a nossa igreja evangélica,
podemos afirmar que Deus quer, não apenas a quantidade, mas também
a qualidade desse crescimento. Qualidade ancorada na busca de Deus e no
compromisso com o amor e a justiça. Deus não quer apenas
a multiplicação dos nossos ministérios, que às
vezes só evidenciam a promoção de egos. Ele quer
expressão de serviço, buscado em humildade e unidade. Deus
não quer que a nossa presença nos diferentes segmentos da
sociedade seja ideológica e interesseira, em que os meios não
importam e os “sanguessugas” se espalham sob o manto da expansão
institucional ou pessoal. Ele quer que a nossa presença nos diferentes
segmentos da sociedade seja fermento para o amor e a justiça.
Diante da
referência aos políticos evangélicos corruptos nas
investigações e jornais, ouvimos Deus falar conosco como
nos tempos dos profetas: “Quando multiplicais as vossas orações,
não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias
de sangue. [...] Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça,
repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai
a causa da viúvas” (Is 1.15-17).
Temos nos
comportado como quem quer muita coisa, e neste desejo desenfreado temos
nos contaminado e corrompido. Deus nos chama a querer uma só coisa:
ele — o seu reino e a sua justiça.
(Revista Ultimato - Edição 302)