Na sociedade
pós-moderna cada um quer ter garantido seu direito à privacidade.
Este é o grande valor da democracia hoje. Isso significa, não
apenas que podemos escolher a forma de governo, mas sobretudo a forma
como iremos viver (e isto não diz respeito a mais ninguém,
apenas a mim). Cada um escolhe o que quer, como quer e quando quer. Isso
significa que podemos escolher também um deus e uma forma particular
de viver a fé que seja só minha e sobre a qual eu não
tenha de dar satisfação a ninguém.
Enquanto a democracia permanece circunscrita ao terreno das grandes questões
públicas, dando forma ao Estado e às relações
entre os poderes constituídos, ela permanece como um modelo político
que garante a liberdade e a soberania de um povo e uma nação.
No entanto, quando ela se reduz a este espírito democrático
individualista, acaba promovendo uma espécie de zoológico
social, cuja liberdade só se dá na jaula em que cada um
vive sua privacidade. Com isso, privamos a sociedade das bênçãos
da vida comunitária. O que aconteceria se permitíssemos
que nossos filhos aprendessem na escola que 2+2=5 ou que a lei da gravidade
é um conceito relativo que depende da fé de cada um? Esses
conceitos não são privados, e dependemos deles para a nossa
segurança. A bênção do conhecimento nunca foi
um privilégio restrito aos cientistas, mas compartilhada com toda
a raça humana. Contudo, por causa desde espírito democrático
individualista, somos tentados a pensar que a revelação
de Deus, seus propósitos para o ser humano e para toda a criação,
os mandamentos espirituais e morais, são privados e não
devem ser compartilhados com a sociedade, mas cultivados apenas na jaula
religiosa de cada um.
Porém,
nada é mais social do que a fé. Os votos que fazemos diante
de Deus no batismo, casamento ou ordenação têm profundas
implicações sociais. A confissão de que Jesus Cristo
é o Filho de Deus encarnado, que morreu pelos nossos pecados, ressuscitou
no terceiro dia e virá outra vez para estabelecer definitivamente
seu reino de paz e justiça, tem profundas implicações
sociais. Afirmar que a Bíblia é a Palavra de Deus e a revelação
do seu amor e propósitos para a raça humana também
tem profundas implicações sociais. Ser democrático
é reconhecer o direito que todos têm de compartilhar o conhecimento,
e isso inclui compartilhar as verdades redentoras do evangelho de Cristo.
Não
crer em Deus e não amá-lo de todo o coração
e todo o entendimento conduz o ser humano a um estado de solidão
e alienação no qual ele acaba perdendo os referenciais.
Sem Deus, o homem é entregue a si mesmo e caminha, lentamente,
para a escuridão da sua insensatez. Se o sentido da existência
humana permanece trancado na jaula do individualismo, que esperança
pode haver para a humanidade? O narcisismo individualista tem produzido
seus próprios deuses, como Mamon, que inspira a ambição,
ou Afrodite, que inspira a sensualidade. São deuses que nascem
nas jaulas do individualismo.
A cultura
pós-moderna clama por um Redentor que a redima das armadilhas que
ela mesma criou. Um Salvador que a salve dos desejos egoístas,
cultivados na solidão ansiosa da privacidade, para uma vida de
renúncia e doação. Um Libertador que a liberte da
sedução de querer ser seu próprio Deus. Precisamos
lutar por uma democracia que garanta a todos o direito de conhecer a verdade
que liberta e por um cristianismo cheio de paixão por Deus e pelo
ser humano, criado à sua imagem e semelhança.
Ricardo Barbosa
de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador
do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor
de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.
(Revista Ultimato - Edição 302)